quarta-feira, 27 de março de 2013

Um olhar sobre os Filhos das Palmeiras


 
Palmeiras de coco babaçu

Os grandes lances da vida as vezes acontecem num lampejo. Bem, fiz uma pequena viagem (aproveitando uma pausa trampal) e fui, corajosamente, descobrir um Brasil que a maioria dos brasileiros desconhece.
A minha escala foi uma, aliás, duas cidadezinhas perdidas nas entranhas do grande (e maltratado) Estado do Maranhão.
Observei nesses poucos dias, realidades tão distintas, às vezes crueis, mas extremamente fascinantes; observei o descaso gritante e desrespeitoso que o poder público brasileiro dispensa aos filhos da terra.
Senti que o preconceito dispensado aos pobres (aliás, a pobreza-econômica-extrema é o único “segmento” que tem ampla maioria e é discriminada), mormente dos Estados menos favorecidos, é fruto de total desconhecimento, de ignorância e egoísmo dos ditos “civilizados-citadinos”.
Aquelas pessoas que vivem, não apenas no interior do Maranhão, mas nos confins dessa nossa continental nação, cultivam uma força de vontade tão, mas tão gigantesca que torna-se impossível não nos envolver diante de tanta simplicidade, solidariedade e nobreza e, infelizmente, sofrimento e abandono social.
Como explicar a atitude de uma mãe de família calejada pelas labutas da vida oferecer-lhe um almoço especial, fazendo o cardápio com um dos poucos frangos que criara no “terreiro”, sem nunca tê-lo visto antes? E sabendo que, inevitavelmente, irá fazer falta na mesa do amanhã?
É algo que não devemos buscar uma explicação, simplesmente porque a ação por si só é explicável na prática e dispensa teorias.
Há momentos que somos mais maduros de pensamentos e nesses interstícios de lucidez humana é plausível aproveitá-los e tentar fazer algo novo, diferente e que venha resultar benefícios, ainda que sejam benefícios restritivos ao espírito.
Quando nos deparamos com as adversidades e diversidade é que percebemos que não somos tão fortes como sempre imaginamos ser. Nessas horas nos indagamos a nós mesmos: será que eu teria tamanha força se fosse posto a prova como muitos o são? Sim, teríamos; e digo teríamos porque tanto eu quanto você não somos diferentes daqueles que “sofrem” ou padecem de doença-social-crônica e sob alguns aspectos, incurável.
 
Mulheres na quebra-de-côco - vida dura, mas muito dígna.
Nessa feita, conheci algumas quebradeiras de côco-babaçu. São mulheres que passam o dia inteiro realizando a difícil tarefa de extrair a castanha do vegetal que está envolta numa crosta duríssima. As condições que essas donas-de-casa trabalham é estafante e de extremo perigo de mutilação, visto que usam um machado com o gume afiado voltado para cima enquanto marretam o fruto concreto para extração da “semente”. Mesmo assim, bem treinadas (dizem que fazem aquilo desde a infância) cumprem seu ofício com precisão e destreza. No fim do dia aqueles poucos quilos que conseguiram extrair transformar-se-ão “em pão na mesa das crianças” no dia seguinte (ou no mesmo dia).
O semblante traz cansaço. A pele ressecada e sem nenhum trato adicional mostram mulheres bem mais velhas do que realmente são. Mesmo assim cantam, fofocam, riem... no pouco tempo que pude presenciar, vi que talvez, caso fossem infelizes, certamente não seria por está naquela labuta.
Alguns dizem que existe uma associação ou coisa do tipo; cooperativa, talvez, que dá respaldo às quebradeiras-de-coco “profissionais”. Na verdade há. Eu já ouvira comentários a respeito. Sinceramente, ainda não sei o que fazem (não procurei saber, ainda), mas sei o que ainda não fizeram: beneficiar aquelas senhoras e até crianças, que veem no babaçu sua fonte de sustento.
Hoje, meus caros, posso afirmar que sei (ao menos) um pouquinho, exatamente o que Euclides da Cunha quis nos revelar quando afirma que ”o sertanejo é, antes de tudo, um forte”...
Muitas vezes, do alto-de-nossas-camas-macias, nos esparramamos, ligamos uma música baixinha ou tomamos um banho quente depois de um dia de trabalho suado. Merecemos o descanso e, claro, reclamamos. Trânsito caótico, chefe enjoado, subordinados indisciplinados, ônibus ou metrô lotados... mas, no final temos a certeza de um descanso merecido. É o justo – o mínimo justo, que cada um merece.
A realidade na qual muitos brasileiros “agonizam” é incerta e em alguns casos a pobreza é extrema mesmo. E depois de um dia de trabalho, que nem o dia mais caótico no trânsito da cidade seria pior, essas pessoas voltam para “seus lares” e já à noitinha ainda passam na “quitanda” (quando é próxima), para vender o produto do trabalho ou trocar por comida que ainda será consumida no jantar... muitas vezes regada à água (apenas), à luz de “lamparina”, pois a luz elétrica ainda não chegou ou se chegou não há como pagar sem fazer falta no pão-de-cada-dia.
Caso não nos atenhamos à situação de descaso (o que é difícil) é perceptível que a tal teoria de que nós brasileiros somos um povo alegre, não é de tudo uma falácia. Mesmo nas adversidades constantes por que passa nosso povo, somos esse povo que somos.
Vivemos oportunidades diferentes; vivemos amores diferentes, embora o sentimento seja igual; vivemos caminhos diferentes; “status” diferentes... mas, temos anseios compatíveis – o do amanhã melhor.
Como podemos ser tão diferentes, se somos tão iguais? Como podemos ser tão torpes (às vezes) ao ponto de menosprezar nosso próprio povo. Por que nos tornamos tão egoístas ao ponto de criarmos uma bolha mundana e particular e, insistentemente, acreditar que o mal não nos atingirá?
Tanto a executiva bem sucedida, como a quebradeira-de-coco (mesmo não associada), têm o mesmo valor. Cada uma é fundamental no âmbito que atua, e aqui há a proporção... mas, infelizmente essa proporção também existe num ambiente que não deveria existir. Infelizmente, repito, a dignidade da pessoa humana ainda é assegurada na proporção do famigerado “status” que tem uma pessoa.
Um Estado que permite que seus cidadãos padeçam na precariedade é um Estado omisso, corrupto e insensível. Da mesma forma, é insensível e corrupto um cidadão que, por se achar em situação mais abastada pense que possa menosprezar um semelhante, por ser este humilde.
Jamais atire a pedra e se precisar fazê-lo, faça-o com parcimônia, pois não há como se precisar a quem ela irá atingir. Menos ainda, a direção que tomará numa eventual resvalada.
Uma das formas de se viver é conhecendo a vida e as dificuldades, e as pessoas da forma que realmente são, sem subterfúgios, sem maquiagem. Definitivamente, seremos mais humanos se conhecermos a nós mesmos e não há escola melhor para isso que conhecer o semelhante – o nosso próprio reflexo. Refletimos, sim, uns aos outros... porque somos todos iguais, queiramos ou não.
... já dizia Gentileza!
Lá nos confins dos sertões, da caatinga, do cerrado, dos pampas e nas algibeiras das cidades existem pessoas lutadoras e decentes tanto mais ou quanto são os cultos que governam, muitas vezes conduzidos pela insensibilidade.
 
O sertanejo que sobrevive à margem, da massa do coco babaçu, representa apenas uma pequena ramificação dos muitos lutadores filhos da Terra. E nesse turbilhão pedregoso e urticante a esperança reina na união de forças e empenho crescentes. Somos antes de tudo, FORTES... as quebradeiras-de-côco que o digam.

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