Palmeiras de coco babaçu |
Os grandes lances da vida as vezes acontecem num lampejo. Bem, fiz uma pequena viagem (aproveitando uma pausa trampal) e fui, corajosamente, descobrir um Brasil que a maioria dos brasileiros desconhece.
A minha escala foi
uma, aliás, duas cidadezinhas perdidas nas entranhas do grande (e maltratado)
Estado do Maranhão.
Observei nesses
poucos dias, realidades tão distintas, às vezes crueis, mas extremamente
fascinantes; observei o descaso gritante e desrespeitoso que o poder público
brasileiro dispensa aos filhos da terra.
Senti que o
preconceito dispensado aos pobres (aliás, a pobreza-econômica-extrema é o único
“segmento” que tem ampla maioria e é
discriminada), mormente dos Estados menos favorecidos, é fruto de total
desconhecimento, de ignorância e egoísmo dos ditos “civilizados-citadinos”.
Aquelas pessoas
que vivem, não apenas no interior do Maranhão, mas nos confins dessa nossa
continental nação, cultivam uma força de vontade tão, mas tão gigantesca que
torna-se impossível não nos envolver diante de tanta simplicidade,
solidariedade e nobreza e, infelizmente, sofrimento
e abandono social.
Como explicar a
atitude de uma mãe de família calejada pelas labutas da vida oferecer-lhe um
almoço especial, fazendo o cardápio com um dos poucos frangos que criara no
“terreiro”, sem nunca tê-lo visto antes? E sabendo que, inevitavelmente, irá
fazer falta na mesa do amanhã?
É algo que não
devemos buscar uma explicação, simplesmente porque a ação por si só é
explicável na prática e dispensa teorias.
Há momentos que
somos mais maduros de pensamentos e nesses interstícios
de lucidez humana é plausível aproveitá-los e tentar fazer algo novo,
diferente e que venha resultar benefícios, ainda que sejam benefícios restritivos
ao espírito.
Quando nos
deparamos com as adversidades e diversidade é que percebemos que não somos tão fortes como sempre imaginamos
ser. Nessas horas nos indagamos a nós mesmos: será que eu teria tamanha
força se fosse posto a prova como muitos o são? Sim, teríamos; e digo teríamos
porque tanto eu quanto você não somos
diferentes daqueles que “sofrem” ou padecem de doença-social-crônica e sob
alguns aspectos, incurável.
Mulheres na quebra-de-côco - vida dura, mas muito dígna. |
Nessa feita,
conheci algumas quebradeiras de côco-babaçu. São mulheres que passam o dia
inteiro realizando a difícil tarefa de extrair a castanha do vegetal que está
envolta numa crosta duríssima. As condições que essas donas-de-casa trabalham é
estafante e de extremo perigo de mutilação, visto que usam um machado com o
gume afiado voltado para cima enquanto marretam o fruto concreto para extração
da “semente”. Mesmo assim, bem treinadas (dizem que fazem aquilo desde a
infância) cumprem seu ofício com precisão e destreza. No fim do dia aqueles
poucos quilos que conseguiram extrair transformar-se-ão “em pão na mesa das
crianças” no dia seguinte (ou no mesmo dia).
O semblante traz
cansaço. A pele ressecada e sem nenhum trato adicional mostram mulheres bem
mais velhas do que realmente são. Mesmo
assim cantam, fofocam, riem... no pouco tempo que pude presenciar, vi que
talvez, caso fossem infelizes, certamente não seria por está naquela labuta.
Alguns dizem que
existe uma associação ou coisa do tipo; cooperativa, talvez, que dá respaldo às
quebradeiras-de-coco “profissionais”. Na verdade há. Eu já ouvira comentários a
respeito. Sinceramente, ainda não sei o que fazem (não procurei saber, ainda),
mas sei o que ainda não fizeram: beneficiar aquelas senhoras e até crianças,
que veem no babaçu sua fonte de sustento.
Hoje, meus caros,
posso afirmar que sei (ao menos) um pouquinho, exatamente o que Euclides da
Cunha quis nos revelar quando afirma que ”o
sertanejo é, antes de tudo, um forte”...
Muitas vezes, do
alto-de-nossas-camas-macias, nos esparramamos, ligamos uma música baixinha ou
tomamos um banho quente depois de um dia de trabalho suado. Merecemos o descanso e, claro,
reclamamos. Trânsito caótico, chefe enjoado, subordinados indisciplinados,
ônibus ou metrô lotados... mas, no final temos a certeza de um descanso
merecido. É o justo – o mínimo
justo, que cada um merece.
A realidade na
qual muitos brasileiros “agonizam” é incerta e em alguns casos a pobreza é
extrema mesmo. E depois de um dia de trabalho, que nem o dia mais caótico no trânsito da cidade seria pior, essas
pessoas voltam para “seus lares” e já à noitinha ainda passam na “quitanda”
(quando é próxima), para vender o produto do trabalho ou trocar por comida que
ainda será consumida no jantar... muitas vezes regada à água (apenas), à luz de
“lamparina”, pois a luz elétrica ainda não chegou ou se chegou não há como
pagar sem fazer falta no pão-de-cada-dia.
Caso não nos
atenhamos à situação de descaso (o que é difícil) é perceptível que a tal
teoria de que nós brasileiros somos um povo alegre, não é de tudo uma falácia.
Mesmo nas adversidades constantes por que passa nosso povo, somos esse povo que somos.
Vivemos
oportunidades diferentes; vivemos amores diferentes, embora o sentimento seja
igual; vivemos caminhos diferentes; “status” diferentes... mas, temos anseios compatíveis – o do amanhã melhor.
Como podemos ser tão diferentes, se somos tão
iguais? Como podemos ser tão torpes (às vezes) ao ponto
de menosprezar nosso próprio povo. Por que nos tornamos tão egoístas ao ponto
de criarmos uma bolha mundana e particular e, insistentemente, acreditar que o
mal não nos atingirá?
Tanto a executiva
bem sucedida, como a quebradeira-de-coco (mesmo não associada), têm o mesmo valor. Cada uma é
fundamental no âmbito que atua, e aqui há a proporção... mas, infelizmente essa
proporção também existe num ambiente que não deveria existir. Infelizmente,
repito, a dignidade da pessoa humana
ainda é assegurada na proporção do famigerado “status” que tem uma pessoa.
Um Estado que
permite que seus cidadãos padeçam na precariedade é um Estado omisso, corrupto
e insensível. Da mesma forma, é
insensível e corrupto um cidadão que, por se achar em situação mais
abastada pense que possa menosprezar um semelhante, por ser este humilde.
Jamais atire a
pedra e se precisar fazê-lo, faça-o com parcimônia, pois não há como se
precisar a quem ela irá atingir.
Menos ainda, a direção que tomará numa eventual resvalada.
Uma das formas de
se viver é conhecendo a vida e as dificuldades, e as pessoas da forma que
realmente são, sem subterfúgios, sem maquiagem. Definitivamente, seremos mais humanos se conhecermos a nós
mesmos e não há escola melhor para isso que conhecer o semelhante – o nosso
próprio reflexo. Refletimos, sim, uns aos outros... porque somos todos iguais,
queiramos ou não.
... já dizia Gentileza! |
Lá nos confins dos
sertões, da caatinga, do cerrado, dos pampas e nas algibeiras das cidades
existem pessoas lutadoras e decentes
tanto mais ou quanto são os cultos que governam, muitas vezes conduzidos
pela insensibilidade.
O sertanejo que sobrevive à margem, da massa do coco babaçu, representa apenas uma pequena ramificação dos muitos lutadores filhos da Terra. E nesse turbilhão pedregoso e urticante a esperança reina na união de forças e empenho crescentes. Somos antes de tudo, FORTES... as quebradeiras-de-côco que o digam.
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