domingo, 26 de janeiro de 2014

Fragmentos de uma vida…

As migalhas de pão eram arremessadas sucessivamente. A cada ação, os pombos, à espreita, disputavam-nas com bravura. Era uma tarde bem atípica, pois apesar das nuvens grossas, a chuva ainda parecia não disposta a cair.

Naquele cenário meio bucólico, meio lânguido ele continuava, mecanicamente, a arremessar pedaços de pão às aves, indiferente a tudo, inclusive à tempestade que ameaçava. A cidade movimentava-se às pressas tanto pelo frenesi urbano de fim de expediente, como pela pressa em desfrutar o aconchego do lar e livrar-se de uma tormenta em trânsito. As artérias da cidade estava em alvoroço, mas ele continuava no aconchego da própria solidão, do marasmo íntimo que o consumia.

Um leve toque no ombro o despertou. Súbito ele ajeitou-se no banco rígido e frio a procura de quem violara sua imersão íntima e necessária.

- Atrapalho? Era uma voz de mulher.
- Oh, não! Ajeitou-se complacente. Estava a observar como eles se jogam em busca de uma simples migalha de pão. Nem sempre fazemos isso quando queremos algo.
- Não é de admirar, rebateu a voz em tom amigável, se considerarmos que as migalhas são sinônimos de sobrevivência.
- Tens razão, concordou ainda com olhar desatento, é isso que devemos temer.
- Isso o que?
- A sobrevivência, respondeu ele, encarando-a.

Ela sorriu levemente, arqueou involuntariamente a sobrancelha e, por fim, acomodou-se no assento gélido.

- Uh! Gracejou sob o sorriso que conseguira arrancar dele. Está gelada essa pedra.
- Acomode-se e logo se acostuma.

Ela arrancou um lasca do pão posto sobre o assento e o imitou na ação de alimentar as aves que aguardavam ansiosas cada arremesso.

- Por que diz que deveríamos temer a sobrevivência?
- Ora, porque não somos esses pombos.
- Eles lutam por cada migalha, você mesmo disse isso. Acha que sobreviver é assim tão fútil?
- Se estivermos nos referindo aos pombos, nem tanto. São seres medíocres que nada mais fazem além de disputar uma migalha qualquer para não sucumbir à fome, a necessidade de comer e comer.
- E não é assim que deve ser?

O sorriso novamente visitou os lábios ressequidos pelo vento que trazia mais e mais nuvens escuras e pesadas.

- Sim, é assim que deve ser para aqueles que contentam-se em sobreviver a cada raiar do sol. Ser humano deveria ser diferente de ser um pombo ou uma formiga.
- Crer que a existência de um humano seja mais relevante que a de um outro animal qualquer?
- Creio que temos mais motivos para acreditar que somos a mesma natureza, mas não devemos nos contentar com motivos existenciais semelhantes.
- Por óbvio que não.
- Que razão teríamos para louvar a nossa existência se dominamos o raciocínio e não conseguimos ser diferentes dessas pobres aves que sobrevivem por instinto? E talvez melhor que nós, os prodígios pensadores. Chega a ser ironia.
- Um bom começo seria valorizarmos aquilo que temos e dispomos.
- Seria conformismo, rebateu ele sem desviar o olhar das aves aos seus pés. Conformismo é uma prática inerente aos tolos. Essas aves, continuou ele, vivem desprovidas de qualquer viés existencial.
- Por Deus! E que mal há nisso?
- O mal está nos fatos e atos que levam o homem a agir da mesma forma que os irracionais.
- Talvez, diferente do que afirmara antes, não somos tão especiais assim, tão diferentes deles pelo fato de determos o raciocínio.
- Tenho consciência de que somos pequenos, admitiu ele, mas não me apraz a ideia de ser apenas mais um sobrevivente.
- E o que estaria faltando para a sua plena existência enquanto ser humano que é? Indagou ela engajada em juntar os pertences, ao sentir as primeiras gotas de chuva saudar o chão.

Disfarçando o embaraço ele olhou o tempo e a encarou. Sorridente, ela apressou em despedir-se com singela cordialidade e foi-se sem esperar uma resposta, fosse qual fosse. Idem os pombos. Agora, novamente sozinho, ele a acompanhou com o olhar. Já do outro lado da rua, ela ainda se voltou, acenou e foi-se de vez.

- Talvez me falte ser feliz e essa felicidade pode estar presa n’algum inconsciente que se aproxima e tudo que consegue enxergar são as migalhas que arremesso aos pombos.

Foi tudo que ele disse antes entrar no automóvel já sob o ataque intenso de grossas gotas de chuva.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A arte no miss Universo... Brasil!

Vejam... a grama do vizinho!...
O artista verdadeiro é aquele que, de alguma forma, provoca discussões, opiniões (pros e contra) acerca de suas obras. Não fosse assim seria por demais monótono produzir o que quer que fosse. Sadios conflitos levam ao aperfeiçoamento e, por consequência, à maestria.

Em terras tupiniquins reina uma máxima acerca das preferências nacionais. O primeiro requisito para o sucesso ou para ser valorizado, ainda que minimamente, é ser estrangeiro ou simplesmente vir “de fora”. É importado, é bom. Exceto se importado do Paraguai. Aí já é outra história.

Pois bem. No mundo-paralelo-tupiniquim a máxima do estrangeirismo-espetacular é tão latente que é impossível não ser percebido. Até mesmo os leigos no assunto percebem e por tabela acabam por concordar. A partir daí vai-se inflando um balão de ideias, não raras vezes equivocadas.

Qual o "tipo" mais brasileiro? TODOS SÃO
Vamos aos fatos. Por esse contexto, as misses estrangeiras são sempre mais “completas” em beleza; sempre são mais loiras ou mais eloquentes (ideia nem sempre estapafúrdia); uma brasileira até pode ser loira e quando o é, as vozes onipotentes bradam: “que linda, nem parece do Brasil!” ou “é tão bonita que parece australiana... É o sistema.

No que se refere às vestimentas (cascas-miss’ológicas) as ideias não são diferentes. Quando nossas candidatas aparecem a ostentar uma indumentária com perfeição saltitante aos olhos até dos desentendidos, muitos calam-se, ao que parece, temerosos de tecer algum elogio involuntário, a algum profissional compatriota.

Casos notórios de inconformismo ocorreram em 2007. A miss Brasil daquele ano brilhou no miss Universo e não só pela beleza, também pela força do traçado do vestido de gala que ostentara. Até hoje (e creio que sempre) muitos maldizem o estilismo do traje por ser “vulgar”; por ser na cor prata; por ter uma fenda...

Em 2011, o mesmo estilista-artista confeccionou o traje que coroaria miss Universo - a angolana Leila Lopes. Ali, foi difícil encontrar uma razão plausível para desmerecer o trabalho do “modista”. Ainda assim, a vilania ficou por canta das pluminhas que farfalhavam em pontos estratégicos daquela obra de arte em formato de roupa.

Nos dois anos seguintes, as nossas representantes no maior e mais moderno certame de beleza do mundo realizaram suas performances envoltas nas criações do mesmo artista brasileiro. Não diferente das ocasiões de outrora, a aprovação deu-se em massa, no entanto, com alguma massa reclusa, resistindo em admitir o óbvio.

Sem tantos argumentos, novamente sobrou para a “fenda” do vestido, quando faziam referência à espetacular precisão da obra esculpida e, posteriormente, conduzida por Gabriela Markus no miss Universo 2012. Seguindo a mesma linha, indiferente àquilo que os olhos viam, foi a vez do brilho espelhado das pedrarias, a cor em tom de rosa e, novamente, a fenda do vestido servirem de argumento, ainda que imprecisos, para desmerecer o mosaico encantador incrustado nas curvas perfeitas de Jakelyne Oliveira, em 2013.

Rogamos sempre por ideias novas. Nada contra. Na maioria das vezes, quando agimos no ímpeto das preferências pessoais nos esquecemos que todo artista tem um estilo, uma marca-registrada de suas obras. Em sendo assim, a inovação é certa, entretanto, aquele traço que o identifica precisa ser preservado. Essa é a grande e vantajosa nuance do artista de verdade: criar sua identidade própria e ainda que inove constantemente, a essência do trabalho sempre será mantida, porque intrínseca a um talento desprovido de cópia.

Quando aprendemos a olhar os detalhes nos damos conta de que o belo, vindo “de dentro” ou “de fora” sempre será belo e perfeito, porque original.

Nestes termos, que venham inovações, modernidade e ousadia; e que perdurem (entre uma inovação e outra) as “fendas”, as “pedrarias”, e todas as cores (ainda que as mortas) nas obras do artista que assina os trajes de noite das misses do Brasil.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

MUB/14 – Amazonas e Rio Grande do Sul – a Organização Nacional deveria adotar os mesmos parâmetros de preparação e tempestividade



2014 já abriu as portas e o mundo-paralelo-tupiniquim* continua em sono profundo. Caso sirva de consolo, o mundo-do-esporte também sofre de hibernação-terminal, no que diz respeito ao calendário “pestilento” das obras para a Copa do Mundo – mas isso é assunto a ser tratado em expediente próprio. Voltemos ao mundo-paralelo.

É factível que ainda não tivemos nenhum motivo para brindar o ano novo se considerarmos que nada de novo aconteceu. Temos 02 (duas) candidatas eleitas, mas isso nem de longe é uma novidade. Todos os anos, nos últimos, constatamos que os 02 (dois) (e únicos) polos atuantes na miss’ologia brasileira recrutam suas candidatas à revelia da realização do Miss Universo Brasil (MUB) – e isso é muito positivo.

Nesse cenário, ganha a candidata que tem maior tempo e, de fato, exerce a sua função como miss Estadual; ganha a Organização estadual que não corre o risco de ver sua candidata à miss Brasil perder o foco e ser tomada pelo desânimo, uma vez que sua participação no MUB se dará no fim do “reinado”; ganha o público ao não ser brindado com uma candidata incapaz de feitos mínimos, frutos da imaturidade e despreparo. Essa máxima deveria ser adotada pela organização nacional em relação ao Miss Universo (MU), mas isso também é assunto de resenha própria.

Os dois polos aos quais nos referimos – RS e AM – podem não lograr o feito máximo no certame nacional, todavia, jamais passarão despercebidos frente a um corpo de juízes competentes e entendedores das atribuições. Isso quer dizer que tempo e preparação não são sinônimos ou garantia de títulos máximos, mas sim de capacitação que nos remete à segurança e a garantia de uma participação sólida.

Ytala - Miss Amazonas 2014
Atualmente, com duas candidatas para 2014, muitos já comemoram. É plausível, ambas ostentam, de fato, aparente competitividade, ressalvados os pontos frágeis visíveis aos olhos leigos, inclusive.

No Amazonas temos a imponência em forma de mulher. Essa moça sabe como ninguém flertar com o público (isso inclui os jurados), tem porte, carisma e beleza, além da graça em fotogenia. Muitos gritarão aos ventos: é perfeita! Não, não é perfeita. Acalmem-se os ânimos. O calcanhar-de-aquiles reside exatamente onde não deveria: na passarela. A pegada de palco é fria, descoordenada e mecânica; as paradas são acalantos; em movimento perde toda a graça e naturalidade.

Marina - Miss RS 2014
O Rio Grande do Sul elegeu aquela que considero a mais bela entre todas as candidatas em 2014 – e isso comparando-a com as já eleitas nacionalmente, mundo afora. Pode parecer exagero dito assim, mas é inegável a beleza da gaúcha. Aqui, nada deixa a desejar em relação à amazonense, idem as ressalvas, embora em ângulos distintos. A imponência natural não é sua maior virtude; a postura tímida e contida não arremete a grandes ambições; a eterna face emoldurada em expressões excessivamente singelas (muitas vezes tornam-se lúgubres) faz com que os olhares busquem mais vida em outras faces.

Não nos iludamos. No entanto, o grande trunfo daqueles que se antepõem as falhas é a aptidão tempestiva em corrigi-las. Nesse aspecto não devemos nutrir qualquer sentimento negativo de que essas candidatas não farão seus papeis de maneira condizente. É de se crer que chegarão com maturidade arraigada. Isso é previsível, tanto pelo potencial de cada uma, como pelo empenho demonstrado pelos profissionais que as conduzem nos respectivos estados.

Do outro lado da moeda, ou nos polos-frígidos, seguirão desmotivados os demais estados cujas misses ainda não atingiram a metade do “reinado” de 2013. Para estes, as calamidades serão sempre em menor grau, pois, felizmente manter-se-ão em sono profundo, a sonhar com uma vitória que jamais virá.

Em outras vertentes, especialmente o Miss Mundo Brasil – MMB, ensaiou-se um leve ajustamento de conduta, no entanto, 2013 nem havia se despedido, constatou-se que não predispomos de um calendário anual sério.

Com tanta inconstância predizer onde querem chegar é tarefa impossível – e nem é o que se busca. Talvez queiram alcançar muitos lugares ao mesmo tempo ou lugar nenhum. Mas, é totalmente possível afirmarmos com propriedade: a direção desses navegantes ainda precisa de ajustes, a qual será verdadeira e precisa, se e somente se, o dono-da-bússola abdicar dos costumeiros reparos paliativos e partir para um conserto definitivo.

E qual seria a direção norte nessas águas turbulentas? Perguntemos às coordenações do Amazonas e Rio Grande do Sul.
* mundo dos concursos de miss

sábado, 4 de janeiro de 2014

Quem determina o caminho?...



Um dia desses alguém me disse com grande convicção: - “acredito que o nosso destino já vem traçado desde antes de nascermos”... Confesso que fiquei,por um tempo, pensativo. O que levaria alguém a crer numa tese dessas e a defendê-la com tamanha propriedade?

Logo percebi que a palavra-chave era isso: crença. Acreditamos em muitas coisas por força do credo religioso, das raízes culturais, da educação familiar (ou da falta dela) e de muitos outros fatores que permeiam e nos envolvem nessa passagem que denominamos vida.

Aqui, nem preciso afirmar que não coaduno com a tese do destino-traçado. Mas, pensar assim, somente reforça a ideia da preservação das nossas diferenças (tão necessárias), que não devem ser combatidas e sim respeitadas. Nem devem ser seguidas, se assim não as queremos, todavia, tal atitude jamais deverá anular a prerrogativa de contestar, debater, discordar ou defender sob a égide da sanidade.

Sinceramente, não consigo absorver a ideia de que o Escritor-Mor do livro-dos-destinos disponha de seu precioso tempo para escrever ou prever que “tal” dia, “tal” hora, sob sol, neve ou chuva, você ou eu havemos de chutar uma pedra, que resultará na perda de uma unha, quiçá de um dedo. É exagero? Creio que não. Se tudo está escrito, até aquela unha que você roeu ou roi, não será mera coincidência – isso também estará escrito, mesmo nas entrelinhas ou notas minúsculas de rodapé.

Por outro lado, há inúmeros fundamentos. A história nos faz esbarrar em evidências singulares e irrefutáveis. Nos anos-negros de domínio da Igreja, por exemplo, as sociedades católicas foram condicionadas à submissão à Deus (fosse Ele quem fosse – e aqui não estamos a por-em-xeque a existência de Deus e sim a prática terrena dos negócios que envolvem a fé alheia), e que para manter o controle das “ovelhas” pregavam-se o desapego dos bens materiais em favor da Instituição religiosa sob pena de excomunhão e danação eterna da alma – não muito diferente dos dias atuais; reis faziam os súditos crer piamente (e ainda fazem), que nasceram para ser súditos pois aquele era o destinos – uma vez servo, sempre servo. Nada além de um artifício para manter a dominância das famílias nobres, ditas de “sangue-azul”, tanto no domínio como no trono – que é a mesmíssima coisa.

Em nossos dias, ainda é latente a preponderância do poder das crenças (seja ela qual for) sob a vida das pessoas. Os mais religiosos, temem tudo e todos por medo de “provações”, ou seja, medo de serem punidos por deixar de realizar algo que a “crença” julga necessário; outros se entregam à miséria por achar que ela é o que melhor representa o ser humano em seu aspecto natural, despido de qualquer opulência; outros, ainda contentam-se com o básico porque acreditam que tornar-se melhores ou mais abastados não condiz ao tal-destino, ou se não consegue melhoria, é sensato desistir, é o destino...

E o livre arbítrio? Em tese, somos livres. O que faremos com ele se não temos outra opção senão esperar o destino se cumprir? 

Não condeno quem se deixa navegar pelas ondas do destino; nem tampouco desdenho quem o tem como filosofia de existência. Ainda assim, deixo clarividente: não conte que eu espere ser atropelado por uma diligência nos parques da Disney, só porque está no destino que eu devo sucumbir sob a roda de um veículo do Velho-Oeste. 

E se eu nunca for à Disney? Das duas uma: ou viverei para sempre ou o Escritor-Mor do livro-dos-destinos terá de reescrevê-lo.

Temos inúmeras crenças e isso é válido; mas quem acredita na tese oposta não estará totalmente errado, nem tampouco genuinamente correto; tão somente estará emitindo opiniões distintas que, conduzidas com responsabilidade serena, formará o emaranhado conflituoso no qual residimos. A recíproca, para ambos os casos, precisa ser verdadeira.