quarta-feira, 9 de outubro de 2013

No teatro da vida ganha aquele que conhece a si mesmo.

Quarteis são ambientes extremamente machistas. Quem já esteve em um sabe que o exagero não é uma característica intrínseca a tal afirmação. Por lá todos são “homens-machos”, embora saibamos que para sê-los, aparentá-los, apenas, não é o suficiente. De toda sorte, não devemos adentrar por essa seara de discussão, dentre muitas razões, por não haver pertinência.

Dentre os velhos capitães que ascenderam da Escola de Sargento das Armas – aquela mesma de Três Corações (MG) – um em especial era percebido por sua rigidez, e intransigência sob a égide da exacerbada disciplina militar. Durão, disciplinador e cumpridor das normas do Regimento Interno das casernas por onde passou, fora por inúmeras vezes agraciado com medalhas e honrarias do tipo bem específicas para cada missão cumprida com esmero e patriotismo.

Não se deve atribui-lo a uma vida de glórias e realizações, mas dizer que chegou ao final de carreira realizado como profissional e pai, parecia ser plausível. Parecia... Após afastar-se à reserva veio à tona o reflexo do condicionamento mental e físico de uma vida inteira sob limites, oriundos da carreira. A crise interna ao longo dos anos aumentava gradualmente, uma vez que voltara a vida civil. Inconscientemente, agia como militar da ativa: contido, rígido, ereto, impávido, não permitindo aos outros, nem a si próprio a “dádiva” do erro – o motor de incentivo do acerto.

Certa feita, uma amiga da esposa do dito elemento, consciente do dilema, sugeriu (propor) uma saída simplificada: convencê-lo a matricular-se em uma escola de teatro. Pobre esposa! Sugerir teatro ao marido – militar durão da reserva – era o mesmo que declarar guerra. Sem delongas, vale assegurar que somente após muitos ralhos e indiferença ao assunto, ela o convenceu a assistir a uma aula, todavia, sem compromisso algum.

E assim aconteceu. Em poucos dias estava o velho capitão, ensaiando atos no tablado de aprendiz.

Entender os nossos movimentos os nossos gestos é um passo gigantesco para entendermos nossa essência e nos auto afirmar com segurança diante de quaisquer obstáculos. No âmbito da miss’ologia, uma miss para atingir o seu clímax em complexidade e completude, precisa, além dos muitos atributos da beleza conhecer a si mesma, pois essa certeza de si, perfaz o último refúgio a ser explorado quando a insegurança ousar emergir.

O temor, o medo é um antídoto natural que possuímos para nos livrar dos excessos. É inimaginável se conceber uma vida desprovida de medo. Teríamos limites, se assim o fosse? Provavelmente, não. Mas, tê-lo em demasia nos torna doentes ou na melhor das hipóteses, inaptos a controlar nossas próprias emoções, as quais se manifestam – ainda que de forma abstrata – através dos gestos, da voz, de uma postura. Bem, no caso das misses, a segunda hipótese é a mais viável.

O treinamento de uma atleta-de-palco nunca deve ficar restrito ao curso de oratória e línguas; aulas de passarela e maquiagem por intercâmbio.

Muitos aprofundam tanto em quesitos básicos que acabam por esquecer que, de nada adianta ser eloquente ao falar, se o gesto não tem simetria com a oralidade. Da mesma forma, é improvável a vitória de uma candidata detentora de uma passarela avassaladora e, questionada verbalmente, se apequene de tal maneira que a beleza escoa feito água em ralo limpo.

Aqui não há meio termo. Quem se propõe a trabalhar em público, lidando com pessoas, tem que aprender e, principalmente, aceitar a condição de ser humano, exatamente na forma que se é. Frise-se que essa aceitação não admite simulado. Precisamos aprender a nos ver a nós mesmos; reconhecer que o medo (ou o temor) acomete a todos e cabe a cada um dominá-lo ou superá-lo. E tentar esconder uma suposta fraqueza não é a maneira mais eficaz de combatê-la.

Nessa seara, já presenciamos muitas misses, candidatas fortíssimas, caírem por terra em razão do medo de dominar o próprio. Estas, certamente gastaram o tempo (quando o tiveram) a treinar passarela com um cabo-de-vassoura-preso-as-costas e a fazer maquiagem-por-intercâmbio e esqueceram de ir às aulas de teatro do velho militar da reserva para, enfim, conhecer a si mesmas.

Às nossas belas misses, alcançar essa visão positiva da própria imagem, não deve ser tarefa tão árdua. O ambiente onde vivem e atuam lhes favorecem, todavia, é necessário um pouco de interesse para encarar os palcos da tragédia e da comédia; ouvir o vigor da própria voz, e reconhecer as expressões que emanam do próprio corpo, muito contribuem para uma postura firme e serena quando a necessidade bater à porta.

E voltando ao capitão da reserva... tempos depois, fora visto ao adentrar um veículo estacionado. Fisionomia tranquila e sorriso farto, acenou um gesto com a mão – o famoso tchau – agora articulado, gesto antes inimaginável ao velho reservista.

A esposa não se continha. Estava feliz. Ambos acabavam de sair da apresentação de uma peça do grupo teatral - do qual faziam parte - às crianças de um orfanato, ocasião que reproduziram a conhecida saga de Emília, Pedrinho e Narizinho e o papel que coube ao Capitão foi exatamente o mais improvável – a Tia Anastácia.


>>> Texto idealizado a partir do comentário de Tony Amaral.

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