Vivemos uma inversão de valores. Presenciamos, através dos
recursos de mídias, pessoas surpreendidas ao realizar atos ilícitos, declararem
com extremo cinismo os meandros que os levaram aos feitos escusos.
A parte sadia da sociedade
assiste perplexa com extrema
repulsa a cada vez que explode um escandaloso caso de corrupção, quer seja
na esfera política, quer não. Tal prática sempre será perniciosa,
independente do âmbito da ocorrência.
Em outros tempos, ser taxado
de larápio, vigarista ou ladrão era motivo de vergonha. Era vexatório para
o próprio larápio, para familiares e até para os amigos. Mas, foi-se o tempo
em que ter uma "ovelha-negra" na família, ou ser a própria, caracterizava algo equivalente a vergonha.
Exemplos não nos faltam. Não muito
distante, um certo corrupto, condenado e agora preso, teve a ousadia de
bater no peito e se dizer orgulhoso de pertencer a uma certa quadrilha que
atuou no mais alto patamar do Executivo brasileiro. Na feita, todos já
sabiam que era mais um ladrão de recursos públicos, todavia, como o mandado
de prisão ainda não havia sido expedido, insistia em cantar-de-galo,
contando como certa a impunidade ou simplesmente,
que sua atuação fosse apenas uma piada de salão mal contada. Não era.
Neste caso, mesmo que timidamente, a sociedade esboçou um sorriso, pois a
piada foi sim, de péssimo gosto, mas surtiu algum efeito nos tímpanos dos
ministros do Supremo Tribunal Federal.
Mais recentemente, desbaratados
pela força policial, quadrilheiros
saqueavam os cofres públicos cobrando propina de empresas por benesses no
recolhimento de impostos municipais. A pretexto de conseguir os benefícios
da delação premiada, um dos criminosos foi à televisão expor suas
ações-gatunas. Com extrema naturalidade, e quem sabe, até orgulho, relatara os
meandros escusos dos perversos atos que podam a dignidade de muitos cidadãos.
Conforme perceptível, a futilidade se generaliza a cada
dia em suas
muitas faces. Isso não caracteriza um
ponto de vista isolado e sim uma constatação passível de ser aferida a olho
nu, pelo homem médio. Ademais, não se aplica tão somente aos casos
semelhantes àqueles que acabamos de fazer referência.
As futilidades e as inversões são
tão dissimuladas que até um velório pode vir a tornar-se um evento
midiático para a promoção da imagem sob o óptica do interesse
particular.
Foi deprimente a revoada de
autoridades, celebridades e sub-celebridades (ou seriam pseudos) em direção
ao continente africano com o advento da morte de Nelson Mandela. Logo
para a África - o continente que historicamente,
agoniza à margem do resto de mundo.
Suas lições de humanidade muitas personalidades não aprenderam |
O líder sul-africano merecia
todas as homenagens por aquilo
que representou na sua luta pelo fim do famigerado apartheid. Seria natural que
chefes de Estado das muitas nações da terra fossem lhe prestar uma
última homenagem, todavia, o que se presenciou, claramente, foi uma horda de
pseudos-condolentes buscando um lugar em frente as câmeras dos profissionais de mídia de todo o globo ali
presentes.
Sucedeu um jogo midiático descarado onde as tais autoridades e pseudos-celebridades mostravam as tendências-modísticas dos seus estilistas particulares, felizes e sorridentes com aquela oportunidade ímpar e gratuita de aparecer ante aos holofotes do mundo.
Sucedeu um jogo midiático descarado onde as tais autoridades e pseudos-celebridades mostravam as tendências-modísticas dos seus estilistas particulares, felizes e sorridentes com aquela oportunidade ímpar e gratuita de aparecer ante aos holofotes do mundo.
Até seria cômico, se não fosse
vergonhoso,
presenciarmos as referidas hordas que pousaram na África do Sul, expondo ao
mundo exatamente o contrário da lição que o "homenageado" ensinara a
vida toda. Todos os presentes, sem exceção, buscavam sempre o melhor ângulo
para aparecer bem na foto, algumas delas até com expressões pesarosas,
não pela perda do líder-negro, mas pelo ciúme diante dos muitos flagras de
flertes explícitos ou na melhor das hipóteses, do excesso de
cordialidade.
Seja a inversão de valores - aquela que reprime o justo, ou
seja, faz com que o digno sinta vergonha se sê-lo; seja a futilidade,
que transforma a dor da perda em oportunidade e promoção, a verdade é que
padecemos em uma sociedade decadente, exatamente por sermos conduzidos por
homens e mulheres que não conseguem ver além daquilo que a visão lhes mostra; por
absorvermos como padrão de conduta e beleza - o falso-estereótipo passado
pelas telas de cinema - pessoas que levam até ao último grau, sua indecorosa
ânsia por manter-se de pé, ainda que as custas de quem jamais as aprovariam.
Sempre virão grandes homens que deixarão grandes legados. E sempre existirão vigaristas para deturpá-los mesmo que por leves oscilações, quer seja em atos, quer seja pela conduta.
Hoje, quem trabalha vive
trancafiado em casas e condomínios. Quem não é corrupto é considerado um
bobo-da-corte; quem luta para aparecer por mérito próprio raramente será
atribuído o valor que merece. Mandela lutou por um ideal e apareceu - mas essa máxima não se aplica àqueles que foram lhe render homenagem - não a todos.
Por outro lado, pousando em terras brasileiras, quem é
corrupto, corruptor ou deputado, pode até ir para a cadeia, mas, ainda
assim, exigirá da sociedade que lhe banque sucos especiais regados à água de
coco.
As inversões de valores e as futilidades de algumas vidas não se restringem a um país. Alastram-se mundo afora. Não as percebemos em larga escala, pois somos pequenos demais para alcançá-las. Mas elas existem, latentes e clamando por corretivos, mas existem.
As inversões de valores e as futilidades de algumas vidas não se restringem a um país. Alastram-se mundo afora. Não as percebemos em larga escala, pois somos pequenos demais para alcançá-las. Mas elas existem, latentes e clamando por corretivos, mas existem.
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