quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

MW – Miss World: retrocesso à vista

Há poucos dias fiquei boquiaberto com um informe, supostamente veiculado pela assessoria do Miss World. Ali se justificou o injustificável – extinguiu-se a apresentação das aspirantes ao título internacional em traje-biquíni. Um retrocesso, para dizer o mínimo.

Em um mundo onde os direitos das mulheres foram negados desde tempos imemoriais é inconcebível um discurso dessa natureza, especialmente quando falamos em concursos de beleza. Entre movimentos clandestinos e reprimidos à força, muitas vezes tendo morte como punição e publicações anônimas, bravas mulheres entregaram-se à causa mais nobre, qual seja, serem consideradas humanas e humanamente livres. Livres para pensar, para trabalhar, para protestar, para governar. Não apenas livres para viver sob jugo, fadadas em satisfazer os caprichos de seus maridos-donos. Não apenas reprodutoras, cujo corpo era visto como um vetor para a perpetuação da espécie.

A luta de grandes mulheres (e homens também) resultou em tantas mortes! No entanto, seus protestos ecoaram mundo afora e hoje podemos afirmar que os direitos humanos que eram negados às mulheres é uma realidade palpável. Obviamente, devemos considerar as diferenças culturais e costumeiras – diferenças estas, em algumas nações, ainda vetoras de desigualdade. Essa ideia de liberdade e direitos humanos estendidos às mulheres sofre, por assim dizer, mutações culturais, locais e ideológicas. Em muitos casos não são de tudo perniciosas.

Em nações livres as conquistas mostram-se mais latentes e concretas. Noutro polo, ideologias, especialmente as religiões em nome de um deus-pessoal, continuam a submetê-las a uma existência vexatória e submissa ao extremo. E ninguém gostaria de viver e permanecer num casulo se fosse capaz de conhecer o mundo como ele é e as oportunidades que ele nos proporciona. São as radicais barreiras culturais, verdadeiros paredões ideológicos que ainda aprisionam milhões de mulheres nos dias atuais. Caso sejam indagadas elas afirmarão que são felizes assim; ou por medo de reprimendas terrena ou celestial ou por ignorância da existência do mundo e de si mesmas.

E quando falamos em vetores, desde o século passado os concursos de beleza têm, de maneira explícita ou inconscientemente, valorizado o discurso e os sacrifícios das precursoras da mulher livre. A exposição dessas jovens mulheres são para muitos, uma afronta, por isso a importância de se manter uma visão moderna. Foi à partir deles (sacrifícios) que as mulheres, em muitas nações foram consideradas “sujeito de direito”, especialmente os direitos humanos.

Lembremos que uma ramificação nesse amplo emaranhado dos direitos humanos está os direitos à integridade e a autonomia dos corpos. Dos corpos, repita-se. Essa autonomia predispõe algo mais amplo, a liberdade, no Brasil um direito fundamental, constitucional e pétreo.

Os donatários do Miss World dispõem de toda liberdade para progredir ou retroceder; implementar ou enxugar sua forma avaliativa, mas, suprimir, extinguir a etapa “biquíni” do certame por considerá-la desrespeitosa ou lesiva à imagem das mulheres é um ato inconsequente, retrógrado e autoritário. Lembremos da autonomia. Novamente se está cerceando o direito das mulheres sobre o próprio corpo, corpo este que cabe a cada uma decidir se mostra ou esconde.

Ainda é perceptível uma manobra singela e esquiva para abarcar mais aspirantes, especialmente daqueles países que ainda as tratam como objeto de manejo. Nesse ângulo, o Miss World presta um desserviço à sociedade livre, quando impõe às contestantes reprimendas que ferem diretamente o direito de escolha que cada um(a) tem. O direito de escolha em sentido amplo, não se restringe apenas a decisão de participar desse ou daquele certame. Uma vez dentro temos regras a cumprir, mas estas não devem ferir a individualidade e autonomia das candidatas.

A beleza para ter propósito precisa, antes de tudo, ser livre e envolta pelo respeito. É inconcebível a ideia de que um desfile em traje de banho desqualifica ou desrespeita uma mulher. O que assim o faz é entubá-las, escondê-las em mantos, panos e capas e mantê-las como bichos-de-estimação.

Em outras palavras, o MW fere o direito das mulheres e endossa o ato, ao curvar-se à prática doentia e radical das sociedades dominadas pela truculência que ainda hoje aprisionam seus homens e, principalmente, suas mulheres dentro de si mesmos.

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