Há poucos dias fiquei boquiaberto com um
informe, supostamente
veiculado pela assessoria do Miss World. Ali
se justificou o injustificável – extinguiu-se a apresentação das aspirantes
ao título internacional em traje-biquíni. Um
retrocesso, para dizer o mínimo.
Em um mundo onde os direitos das mulheres
foram negados desde
tempos imemoriais é inconcebível um discurso dessa natureza, especialmente quando falamos em concursos
de beleza. Entre movimentos clandestinos e reprimidos à força, muitas vezes
tendo morte como punição e publicações anônimas, bravas mulheres entregaram-se à causa mais nobre, qual seja, serem
consideradas humanas e humanamente livres. Livres
para pensar, para trabalhar, para protestar, para governar. Não apenas livres
para viver sob jugo, fadadas em satisfazer os caprichos de seus maridos-donos.
Não apenas reprodutoras, cujo corpo era visto como um vetor para a perpetuação da espécie.
A luta de grandes mulheres (e homens também) resultou em tantas
mortes! No entanto, seus protestos
ecoaram mundo afora e hoje podemos afirmar que os direitos humanos que eram
negados às mulheres é uma realidade palpável. Obviamente, devemos considerar as diferenças culturais e costumeiras –
diferenças estas, em algumas nações,
ainda vetoras de desigualdade. Essa ideia de liberdade e direitos humanos
estendidos às mulheres sofre, por assim dizer, mutações culturais, locais e ideológicas. Em muitos casos não são
de tudo perniciosas.
Em nações livres as conquistas mostram-se
mais latentes e concretas. Noutro polo, ideologias, especialmente as religiões em nome de um
deus-pessoal, continuam a submetê-las a
uma existência vexatória e submissa ao extremo. E ninguém gostaria de viver
e permanecer num casulo se fosse capaz de conhecer o mundo como ele é e as oportunidades que ele nos proporciona. São
as radicais barreiras culturais, verdadeiros
paredões ideológicos que ainda aprisionam milhões de mulheres nos dias
atuais. Caso sejam indagadas elas
afirmarão que são felizes assim; ou por medo de reprimendas terrena ou
celestial ou por ignorância da existência
do mundo e de si mesmas.
E quando falamos em vetores, desde o século passado os concursos de
beleza têm, de maneira explícita ou inconscientemente, valorizado o discurso e os sacrifícios das precursoras da mulher livre. A exposição dessas jovens mulheres são para muitos, uma afronta, por isso a importância de se manter uma visão moderna. Foi à partir deles (sacrifícios) que as mulheres, em
muitas nações foram consideradas “sujeito de direito”, especialmente os
direitos humanos.
Lembremos que uma ramificação nesse amplo
emaranhado dos direitos
humanos está os direitos à
integridade e a autonomia dos corpos. Dos corpos, repita-se. Essa autonomia
predispõe algo mais amplo, a liberdade,
no Brasil um direito fundamental, constitucional e pétreo.
Os donatários
do Miss World dispõem de toda liberdade
para progredir ou retroceder; implementar ou enxugar sua forma avaliativa, mas,
suprimir, extinguir a etapa “biquíni” do
certame por considerá-la desrespeitosa ou lesiva à imagem das mulheres é um ato inconsequente, retrógrado e
autoritário. Lembremos da autonomia.
Novamente se está cerceando o direito
das mulheres sobre o próprio corpo, corpo este que cabe a cada uma decidir se mostra ou esconde.

A beleza para ter propósito precisa, antes de tudo, ser livre e envolta pelo respeito. É inconcebível
a ideia de que um desfile em traje de
banho desqualifica ou desrespeita uma mulher. O que assim o faz é entubá-las,
escondê-las em mantos, panos e capas e
mantê-las como bichos-de-estimação.
Em outras palavras, o MW fere o direito das mulheres e endossa o ato, ao curvar-se à prática doentia e radical das sociedades dominadas pela
truculência que ainda hoje aprisionam
seus homens e, principalmente, suas mulheres dentro de si mesmos.
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