>>> Fragmentos de uma vida… (II) – 10Fev2014
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vida… (IV) – 03Mar2014
Naquela edição, o maior e mais importante
certame de beleza da
terra recrutara suas aspirantes, exatamente no meio do ano. Como praxe, as delegações mostravam-se
frenéticas; a perseguição às candidatas era constante, por parte dos fotógrafos, curiosos, e principalmente, pelos
inúmeros fãs que puderam embarcar à cidade sede do evento.
A rotina árdua, típica daquele tipo de
evento, progredia de
maneira intensa. Contratempos, descompassos, dissabores e decepções formavam
apenas algumas das tantas nuances
adstritas a todas às jovens embaixadoras. Todavia, mesmo diante de tantas
incertezas, elas mantinham ou tentavam manter um aspecto de felicidade e contentamento constantes. Era parte do jogo. Ali, não poderia
haver qualquer resquício de margem para erros. A condução individual de cada
candidata poderia significar, tanto a vitória quanto a derrota. Esta – temida e tão certa de vir o quanto é a
certeza que somente uma será contemplada com o prêmio máximo; aquela – perseguida a todo custo.
Os dias
para alguns foram lampejo, para outros a personificação da morosidade. O espetáculo de luzes, cores, apresentações
artísticas e gritos eufóricos de uma plateia extasiada transcorreu de forma
memorável. Ao final daquela noite de um conto surreal, a nova soberana fora recebida sob um coro de aplausos ensurdecedores.
Naquela noite uma jovem entrara para a
história e junto ao seu
nome, tatuara, para sempre, o do seu idolatrado País.
*** ***
Ela veio compassadamente, andando ora a
ladear as alamedas da praça, ora pelo centro, onde se vislumbrava mais o aspecto de jardim devido a presença de muitas plantas ornamentais.
A Praça Central estava especialmente bela. Os cuidados a ela dispensados pela
administração da cidade eram notórios. Ao
ar, apesar da robustez do centro da cidade, rescendiam leves aromas, os quais atraiam insetos e estes, pássaros.
Fazer referência aos pombos tornar-se-ia em redundância; eles sempre marcavam
presença, embora dispersos ou não tão coesos o quanto antes.
Alguns anos passaram-se desde a última vez
que ali estivera. A
cidade parecia rejuvenescer a cada dia, e para ela era demasiado o orgulho por
constata-la tão bem cuidada. Essa máxima também poderia ser aplicada à parte periférica, claro,
nas devidas proporções. Era a sua terra natal.
A presença daquela jovem e bela mulher jamais passara despercebida onde quer que
fosse, mormente após os últimos feitos. Solitária naquela tarde, após
deixar o táxi nos extremos da praça, momentos antes, olhares curiosos a
procuravam involuntariamente. Vez ou
outra um leve cumprimento gestual, um sorriso tímido de um transeunte, uma
observação segredosa em referência à jovem que procurava não externar o
contentamento por ser reconhecida por seus citadinos.
De cabelos presos e óculos escuros
repousando à fronte da
cabeça, personificava a encarnação da elegância despojada, especialmente por trajar vestes convencionais sob estampas que
remetiam ao clima dos trópicos. Colorida e simples, ela avançou até o velho banco da praça; lá
sentou e esperou.
Oh, o
velho banco! Ela o avaliou nos mínimos detalhes. Coberto com tinta cinza-opaca, o velho assento ganhara nova roupagem.
Agora, mantinha o aspecto de novo, como todos os demais. Os pombos, apesar da
hora vespertina, não faziam algazarra a
espera de iguarias para saciar a fome. Tudo levava a crer que a parceria homem x ave perdera a constância.
Entre um cumprimento e outro, repentinamente um sorriso iluminou o
rosto da jovem. A espera chegara ao fim. Os
ânimos aquiesceram sob um abraço longo, cingido, que por instantes fizera o
tempo parar. Palavras não foram ditas; tornaram-se
insignificantes, subjugadas pelo ato “do
sentir”.
- Como você está? Ele quis saber ainda
envoltos em abraço mutuo.
- Estou
bem. Ela suspirou.
Já acomodados,
ambos buscavam algo que, por razões imperceptíveis,
parecia perdido. E, dentre todas as análises repentinas e involuntárias, nenhuma alcançou qualquer grau de
reprovação.
- Por que aqui? Questionou ele olhando em
volta. – Por que aqui, após tantos anos?
- Foi aqui que nos conhecemos. Tinha que ser aqui. Ela sorriu. – Foi difícil, senti a sua falta… todos os dias.
- Eu também. Ele completou.
- Então, por que fizemos isso? Por que você fez isso. Ela quis saber.
- Foi aqui que nos conhecemos. Tinha que ser aqui. Ela sorriu. – Foi difícil, senti a sua falta… todos os dias.
- Eu também. Ele completou.
- Então, por que fizemos isso? Por que você fez isso. Ela quis saber.
- Porque
foi necessário.
- Talvez tenha razão, mas, sumir sem deixar rastros, não me pareceu uma atitude das mais sensatas. Principalmente, se vivemos em um tempo onde as distâncias cada dia mais se apequenam.
- Talvez tenha razão, mas, sumir sem deixar rastros, não me pareceu uma atitude das mais sensatas. Principalmente, se vivemos em um tempo onde as distâncias cada dia mais se apequenam.
- Não se
tratava de condições de deslocamento e sim, da necessidade de reconhecer as nossas prioridades. Depois, eu
estava perdido, mas você perder-se de
mim era impossível. Acompanhei cada passo, à distância, mas eu estive lá o
tempo todo.
- Nós éramos
a prioridade… Ela o interrompeu. – Deveríamos
ter caminhado juntos.
- Não sejamos tão egoístas, minha querida.
Há vida e propósitos além do sentimento da paixão. E nós sabemos disso. Aprendemos essa máxima juntos. Quanto
mais a conhecia, mais tinha certeza da concretude dos seus sonhos. Via isso no
seu olhar, nas suas ações, na sua luta por aprender, aperfeiçoar, compartilhar.
Desde o primeiro momento eu soube que
não seria fácil; que eu estava a aventurar-me em ambiente relativamente
perigoso. E que em algum momento, por
uma motivo ou outro, teria que abdicar de você. E me preparei para isso,
todos os dias. Acredita que foi fácil me desfazer de tudo que um dia nos ligou,
ainda que esse tudo fosse apenas material? Por tudo o que vivemos não tinha o
direito, aliás, ninguém tem, de sequer
cogitar que desistisse dos seus intentos.
Ele a
encarou. Dos olhos marejavam lágrimas. Já ela, não as conteve e ao contrair os olhos irromperam-nas fugazes.
- Por favor, me desculpe… quanto egoísmo de minha parte! Proferira no momento em que ele, delicadamente, tocou-lhe a face úmida com o dorso da mão.
- Por favor, me desculpe… quanto egoísmo de minha parte! Proferira no momento em que ele, delicadamente, tocou-lhe a face úmida com o dorso da mão.
- Ora,
por favor! Estamos aqui, hoje. Falemos
então da sua vida de soberana. Do seu tempo e contratempos, dos encontros e
desencontros. Ele buscou impor leveza a conversa. – Diga-me: viveu de fato aquilo que almejou com a
devida intensidade.
Ela sorriu ao consentir. Novamente o rosto reluziu.
Ela sorriu ao consentir. Novamente o rosto reluziu.
- Teria conseguido manter os pés no chão
consciente de que eu estava ali do lado? Acenando à você?
Desconcentrando-a?
-
Convencido… presunçoso! Ela o empurrou levemente.
Ele a
encarou sério.
- Teria conseguido? Teria tido o foco
necessário pra cumprir todos os contratos que se comprometeu a cumprir se algo
ou alguém quebrasse aquele foco?
- Que importância tem isso agora?
- Que importância tem isso agora?
- Teria? Ele insistiu.
Ela
desviou o olhar ao responder.
- Não…
- Todos
somos suscetíveis a isso. Somos apenas
humanos, lembra? Ou elegemos prioridades ou estaremos condenados a
abandonar projetos pela metade… quando tentamos abraçar o mundo acabamos por
não abraçar ninguém por completo.
- Isso também fez-me manter o foco. Mas,
não queria ficar sozinha, convenhamos.
- E
nunca esteve. Em determinados momentos,
a companhia mais adequada se resume a nós mesmos, em outros, a nossa família. As variantes nem sempre tem final feliz.
- E
você? Ela quis saber. – Mamãe sempre me falou de você, mas, após a sua mudança em definitivo pra
capital, nem à ela deu satisfação.
-
Imagina se eu estivesse em contato constante com sua família… seria eu a fraquejar. Eu seria um
péssimo estrategista e por tabela, meu plano cairia por terra.
Ele
parou um breve instante e sorriu.
- Eu casei. Ele admitiu.
Ela estremeceu.
- Você o quê?
Ele agora
riu, de fato.
- Dá
para crer nisso? Eu casei.
Incômoda
ela hesitou um pouco. Respirou fundo e
retomou a postura, tentando disfarçar o indisfarçável.
- E filhos? Já tiveram filhos?
- Não. Ele respondeu de pronto sem tirar
o sorriso do semblante.
- E ela?
- O que
tem ela?
- Ela é
bonita?
- Mais
do que você? Acredita que haja alguma
mulher mais bela que você?
- Não
seja hipócrita. Ela o rebateu séria.
- Você
também teve seus amores.
- Namorados, você quis dizer.
- Sim…
namorados, amantes, companheiros…
- Sim,
tive… mas agora não tenho. E então, ela
é bonita? Insistiu.
- Sim,
ela era bonita.
- “Era”? Oh, meu Deus… me desculpe! Ela é falecida?
- Não… Ele riu solto. – Nos separamos… há exatos dezessete dias
e, agora, algumas horas.
- Seu
idiota… esbravejou ela, voltando a sentir o pulsar de todo o corpo novamente.
Idiota, idiota… você é um tremendo de um idiota.
Involuntariamente,
a reação dela provocou nele incontidas
gargalhadas, que por sua vez aguçou a atenção de quem por ali passava.
A partir daquele instante, não demorou
muito e ela fora,
finalmente, reconhecida pelos transeuntes e, de boca em boca, todos ficaram
cientes de que a maior personalidade daquela cidade interiorana - agora também personalidade do mundo - esbravejava na
Praça Central, envolta em graciosa
sutileza.
Ele, em atitude arteira e consciente do
momento, afastou-se e
deixou que o curso dos acontecimentos fluíssem. Novamente, constatava a nobreza na figura da bela mulher que um dia cruzara o
seu caminho. A cada gesto de atenção para com as pessoas - jovens, crianças
e adultos que buscavam tocá-la, guardar uma fotografia na memória – passava uma autenticidade incomensurável.
Perseverou muito também para esses momentos. Como ela poderia sair de tão
recente estresse e adentrar a um
ambiente naturalmente terno para com os admiradores? Ali, sua certeza fora
ratificada – estava diante de um ser humano nobre, de uma mulher completa,
realizada, segura… estava diante da
mulher da sua vida.
Em um dado momento os olhares se cruzaram. Ele acenou e sorriu. Ela retribuiu,
consciente de que uma nova etapa, uma nova prioridade emergia em sua vida. A
tietagem prolongaria por horas, mas, ela dera por encerrada em dado momento e
adentrou, agora, o automóvel de onde ele a aguardava.
- Nossa…
nunca imaginei que na realidade fosse
assim! Ele observou.
- É a
minha terra… Deus me livra se fosse
diferente. Ela gracejou.
- O que foi? Ele quis saber.
- O
banco… Ela apontou o assento. – O banco
do homem-dos-pombos.
Ele riu.
- É…
infelizmente, parece que o homem não
pode mais agradá-los com migalhas.
- Dizem
que ele mudou pra capital. É homem de
sucesso nos negócios. Ela o encarou sorridente.
- Talvez
ele tenha estipulado novas prioridades… sempre as prioridades…
-
Lembra-se de quando nos conhecemos ali?
- Claro…
- Eu
perguntei o que faltava para completar a
sua existência plena…
- É… eu
sei.
- Ficou
me devendo uma resposta. Qual seria sua resposta?
- Qual
seria, não. Qual foi a minha resposta…
Ele enfatizou.
- Respondeu?
Intrigou-se ela ao tempo que acionava a luz interna em razão da proximidade da
penumbra noturna. O rosto dele se iluminou.
- Sim, eu respondi, mas você já havia sumido,
correndo da tempestade. Ele sorriu e apoiou-se ao volante do automóvel ainda
com o motor ligado.
- E o
que respondeu?
- Com as mesmas palavras eu não lembro.
Faz tanto tempo. Por que isso agora?
- Não
sei… andamos por caminhos tão distintos nos últimos anos. E com outras palavras… seria capaz de reproduzir sua resposta? Ela
insistiu.
Ele
contemplou o crepúsculo ao longo da avenida… lá no horizonte.
- Acho
que disse…
- Você acha? Ela o interrompeu graciosa.
- Está
bem… eu disse que faltava ser feliz e
que a felicidade estava escondida em alguma garota que passava ali e só via
as migalhas e os pombos que as devoravam, engoliam… algo do tipo.
Ela
acomodou-se melhor e arqueou-lhe o rosto.
- Não parou
pra pensar, mesmo naquele dia, ou agora, que
a tal garota nunca vira migalhas ou pombos?
- Não… naquele momento, não. Bom… agora os pombos foram embora… as
migalhas se desfizeram. E o banco... como
podemos perceber, o banco ficou vazio.
- O banco ficou vazio – ela completou –
porque o tal homem, finalmente, deve ter
encontrado a felicidade.
Um irresistível e caloroso beijo selou o
momento, não sem ser
percebido por alguns curiosos que ainda acompanhavam com o olhar a figura da
célebre cidadã. Alguns gritos, assovios e palmas cortaram o ar. Acenos se perderam na medida em que o
automóvel rompeu em movimento e misturou-se aos demais no trânsito à boca
da noite.
Começava
um novo ciclo.
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